Celebração da Subjetividade
…E nas margens do rio San Juan, o velho poeta me disse que não se deve dar a menor importância aos fanáticos da objetividade: Não se preocupe – me disse – É assim que deve ser. Os que fazem da objetividade uma religião mentem. Eles não querem ser objetivos, mentira: querem ser objetos, para salvar-se da dor humana.
“A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer um gesto de interrupção, um gesto quase impossível nos tempos que correm: requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar os outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço.”
Jorge Larrosa Bondia
O congresso da IPA em 2015, mês de julho em Boston tem como tema: “Um mundo em mutação. A forma e o uso das ferramentas psicanalíticas hoje”. Também o X Encontro sobre o pensamento de Winnicott, neste ano, terá como tema a Contemporaneidade. Será uma oportunidade de pensar essas novas realidades: quebra e descontinuidades na família, a hipervalorização do individual, as urgências que afetam o espaço para o uso do pensamento, o constrangimento, a invasão da intimidade, a crescente comunicação via mídia social, o avanço tecnológico e as crises econômicas, levando a crise do humanismo.
Como nós profissionais não só da área psi, podemos conversar sobre este tema e encontrar parâmetros para compreender mudanças que estão se passando neste século XXI, que tanto nos impactam e exigem novos rumos para o trabalho psicanalítico. Como essas mudanças afetam a mente, a nossa técnica em nossos consultórios?
Na conversa de hoje, que é de uma amplitude e abrangência muito grande vou dar uma passada de olhos em alguns destes des-a-sossegos atuais.
Qual o papel e que ferramentas tem o psicanalista hoje considerando estas novas patologias atuais características deste mundo em mutação?
I Na mitologia.
Em uma entrevista com Maria Cristina Franciscato, jornalista, mestre e doutora e pós-doutoranda em literatura Grega Antiga pela USP, apresenta uma temática dos mitos, dialogando com a psicanálise.
Em uma publicação dela: “Apolo e Dioniso: forças antagônicas e complementares no mito e na psique,” descreve como Dioniso e Apolo representam diferentes habilidades e desejos, porém Dioniso teria como cerne a simbolização da desordem e da impulsividade, enquanto Apolo carrega a marca da proteção e da ordem. Discorre na entrevista sobre a era contemporânea, quando nos deparamos com uma tendência ao imediatismo, falta de limites ou lideres que balizem nossa ação, e a relação destes deuses. Maria Cristina amplia a visão destes deuses, utilizando como André Green postula, o mito como objeto transicional da humanidade.
Assim ela comenta que se é essencial para uma sociedade que a força apolínea atue estabelecendo determinados critérios e ordenações, por outro lado, é igualmente necessário que haja o impulso dionisíaco para questionar, rever e ampliar o estabelecido.
Observamos é verdade uma falta de limites muita clara no momento atual. Parece que os valores estão desmanchando seus contornos. Porem, diz ela, é difícil estimar o resultado deste processo. Aonde isso vai nos levar? Retornaremos a barbárie? É apenas uma passagem? Acreditamos como ela que a vida faz um movimento pendular. Já tivemos no passado próximo, valores tão certos, tão estreitos e definidos. Há duas gerações atrás as pessoas viviam, de certo modo, com maior segurança, porque os valores eram mais claros e definidos, mas também muito mais difíceis de serem contornados. Se você não coubesse nos padrões definidos, teria mais problemas do que tem hoje.
Por exemplo, uma mulher solteira que engravidasse teria muito mais dificuldades de emprego, seria vítima de maiores preconceitos.
Os valores são questionáveis. Para que haja saúde é necessário este movimento pendular entre essas forças.
Vivemos em um momento de mutação, e neste sentido então dionisíaco, onde os valores e padrões de comportamento que eram inquestionáveis há duas gerações passadas não se sustentam mais. O que virá em seu lugar? Para onde estamos caminhando? Uns dizem que para a barbárie e caos, outros para algo mais criativo, muito mais amplo para a esfera do indivíduo e da sociedade; para a criação de um novo belo.
II Na história.
As mudanças sociais na idade média, idade moderna, idade pós-moderna, foram ocorrendo em sua passagem, por rupturas, já comparadas por alguns como aquelas que ocorrem na composição das placas tectônicas terrestres; pelos seus movimentos contínuos vão acumulando energia, que subitamente rompem promovendo nova acomodação, com grandes turbulências como são os terremotos, fraturas bruscas ou suaves. Fatores sociais foram promovendo mudanças no comportamento das pessoas. As passagens das estruturas feudais, criação da imprensa, revolução francesa com seu ideário de Liberdade Igualdade Fraternidade, revolução industrial, promoveram mudanças na arquitetura doméstica; as casas passaram a ser construídas com divisórias, surgiu à ideia de privacidade como ex. de múltiplas mudanças.
Bion, psicanalista inglês, escreve sobre esses fenômenos sociais e internos, desenvolvendo o conceito de mudança catastrófica. O que se observa é que quando aparece uma ideia nova, ela contém uma força disruptiva que violenta em maior ou menor intensidade a estrutura do campo em que ela se manifesta. Como as placas tectônicas geológicas, uma ideia nova ou um novo integrante de um grupo promove uma mudança na estrutura do grupo. Neste movimento há desorganização, sofrimento e frustração, turbulencias. O crescimento se dá na capacidade de tolerar essas vicissitudes.
III No cinema
Muitos filmes exemplificam estas condições atuais abrangendo, por exemplo, o relacionamento paterno-infantil, e suas consequências. Consequências do abandono levando a quadros psicóticos, da privação levando a tendência antissocial e/ ou psicopatias. O efeito das crises sociais e das guerras, da fome, das separações de casais, de lares com casais homoparentais está caracterizado no cinema atual e em nossa vida moderna.
Um exemplo foi o filme exibido e discutido aqui no GPC, chamado o Garoto da bicicleta. É também sobre a cultura atual na contemporaneidade. Os irmãos Dardenne enfocam, a crise permeada pela desumanização; os filhos vistos como um peso e não como seres a serem amados, cuidados, e por quem nos responsabilizamos. O pai abandona o filho sem olhar para traz, com indiferença. Está junto dele, mas continua se agitando alheio. É um pai hiperativo, incapaz de viver a experiência. Ele calcula, argumenta, está informado, tem opiniões, trabalha, mas não tem tempo… Relaciona-se com os acontecimentos do ponto de vista da ação. Não do pensamento, do viver a experiência e do vínculo. Neste belíssimo filme há uma figura materna que se envolve com o garoto, e que não desiste dele. Consideramos este o papel destas forças, apolínea e dionisíaca, que acabam por redirecionar pendularmente para a reconquista de viver uma experiência acolhedora. Esta mulher que não desiste, sofre, chora, mas permanece, consideramos que para ela o ocorrido não foi algo que aconteceu, que simplesmente se passou… Foi sim algo que lhe aconteceu, que lhe tocou, que lhe passou pessoalmente. Viveram juntos ela e o menino uma experiência.
Outro filme o japonês, de Hirokazu Kore-Eda, Tal pai, tal filho, premiado em 2013 em Cannes, aborda o drama de um casal que é informado que seu filho de seis anos não é – de fato – seu filho biológico, tendo sido trocado na maternidade com outro bebê. É a discussão do lugar que terão em nossas vidas o acaso e/ou o planejamento. Além de inúmeras possibilidades que este filme nos coloca para discussão, está aquela do comportamento do pai que não tendo tido uma família onde se sentiu acolhido e não manteve sua configuração original, teve como fator agravante a repetição, quando descobre que a criança que pensava ser seu filho não era de fato.
IV Sobre a paternidade e a família na pós-modernidade.
Elisabeth Roudinesco (A família em desordem, Jorge Zahar editor 2002 p. 181.), historiadora e psicanalista, com vários livros publicados inclusive o roteiro televisivo do documentário Sigmund Freud, a invenção da psicanálise, discorre sobre a família do futuro. (Cap. 8):
Relata à história das mudanças com relação ao homossexualismo e homoparentalidade, os preconceitos e as mudanças nas classificações americanas. Os movimentos contra a discriminação se fizeram mais presentes após 1975.
Um fato interessante é de como Freud via a homossexualidade: Ele escreve uma carta à mãe de um homossexual americano em resposta. (texto de 1935)
“Homossexualismo não é doença, não é para se envergonhar, nem é vicio nem aviltamento, e seriamos incapazes de qualificá-la como doença”.
Foi somente em 1990 que o homossexualismo deixou de ser considerada uma doença mental segundo a Organização Mundial de Saude.
Os filhos de reprodução assistida, de pais homossexuais, de adoção, de atos que dissociam a reprodução biológica do ato sexual, não saem incólumes das perturbações ligadas a seu nascimento. É neste sentido que a sociedade sempre buscou mascarar as origens de quem viveu estas experiências. O importante diz Elisabeth Roudinesco, que cada um seja pai com sua história. Ela pergunta: qual será o futuro da família?
As previsões de apocalipses advindas com a legalização do aborto em alguns países não ocorreram. Como diziam os adeptos, como partidários do assassinato do gênero humano.
Os casamentos mudaram: alguns escolhem não ter filhos, não serem pais. Muitas uniões são precedidas de união livre, experiências múltiplas de vida comum ou solitária. Filhos concebidos antes do casamento que assistem o casamento de seus pais. Casamentos que resultam em divórcio, consentido, passional ou litigioso. Para as mulheres às vezes uma condição homoparental. Elas que ficam com os filhos, no geral, nas separações.
Os utopistas acreditam que a procriação será tão separada do ato carnal, e que o desejo de um filho nada terá a ver com a diferença dos sexos. Esta tese não se configura verdadeira porque os homossexuais que desejam filhos querem dar a eles uma representação real da diferença sexual e não apenas duas mães ou dois pais, cada um representando-se disfarçadamente de mãe ou pai.
Para aqueles pessimistas que acham que a civilização corre o risco de ser engolida por clones, bárbaros, bissexuais ou delinquentes, concebidos por pais desvairados e mães errantes, observamos que essas desordens não são novas. Mesmo que se manifestem de formas diferentes, a verdade é que todos sonham com uma família. Ela é amada, desejada por homens e mulheres e crianças de todas as condições e orientações sexuais.
O principio da autoridade está em crise no mundo atual em mutação. Há uma crise na ordem simbólica do mundo. Um mundo ocidental com sua soberania decaída, um mundo unificado que elimina fronteiras e condena o ser humano a uma horizontalidade de uma economia de mercado devastadora.
A revista Trieb da SBPRJ 2013 dedica um inteiro volume a Paternidade, novas narrativas. (Pag. 102).
Há considerações sobre como se dá, no mundo atual modificações sobre o poder do homem na vida doméstica e com isso surgem alterações importantes:
Convocado a ser pai, o homem vive dificuldades.
Como não é mais ele que provê com exclusividade a família, não exerce sobre ela sua autoridade.
Há ruptura da hierarquia com transformações.
Uma nova imagem masculina surge nos tempos atuais: Interação. Maior tempo que os pais compartilham com os filhos.
Acessibilidade. O filho pode contar com o pai e interagir com ele
Maior responsabilidade no tocante as atividades dos filhos, como escola e sociabilidade.
Transformações culturais de uma sociedade inserida num universo de novas tecnologias. Inaugura-se outro campo, situado no paradoxal contato entre o virtual e o real. Novos estímulos, novos códigos invadem a subjetividade, modificam a dinâmica das relações e incrementam, cada vez mais, os desafios da clinica psicanalítica. Para circular nestes espaços incertos surgem os recursos potencializadores das contribuições de vários autores.
Zigmund Bauman (2011), citado por Yvette Lehman, psicanalista em uma conversa, destaca que na sociedade atual o indivíduo não tem noção clara de sua destinação e também não tem capacidade de decidir que coisas precisam ser feitas ou priorizadas. Ser moderno é estar sempre se reconstruindo. As coisas antigas não servem mais e ainda não foram inventadas novas formas satisfatórias. O que Bauman chama “modernidade líquida”. Após o nascimento o homem é lançado em um mundo do vir a ser, incompleto, aberto. Após algum momento, após ter habitado o espaço transicional parte para conquistar a realidade de compartilhamento ou realidade externa. (2011). Winnicott(1990).Quando a realidade se mostra vulnerável o ser humano (adolescente), se torna também frágil. O mundo parece não mostrar heróis consistentes, com os quais se identificarem. O jovem fica sem poder se inventar como herói.
O jogo e o brincar e assumir papel imaginativo, (como jogos de internet e RPG), dependendo da forma com que são usados, podem se transformar em um encapsulamento. Algo que se basta em si mesmo. Em alguns desses papeis é alto o grau de ansiedade e se configuram situações sem saída. Há jogos repetitivos e compulsivos que servem mais para explorar a sensualidade. Ficam no plano físico. A fantasia como realizadora, portanto preenchendo de modo ilusório a realização do ato. Winnicott propôs um jogo no processo terapêutico, (consultas terapêuticas e o jogo do rabisco), e também descreve no jogo seu papel criativo. Usa a comparação e a relativização, valorizando o humor, o chiste, para romper o grau de fusão, ampliando a capacidade de ser si mesmo. Desenvolver um self autêntico que chamou verdadeiro self. Assim ele pode perceber o jogo e a fantasia como base para a busca de uma realização na realidade. Tem a ver com um ato criativo, relativo a si mesmo e com o outro. O brincar como preparatório para a ação. Espaço potencial, (compartilhado) que vai permitir o uso do pensamento.
Ex. O brincar no computador como instrumento transicional. Caso Marcelo e mudanças que ele pode ir fazendo no uso do computador. Primeiro uso como objeto subjetivo, para ver sites eróticos, masturbação, isolamento (encapsulamento, isolamento, compulsão). Na sequencia, usa o computador para selecionar filmes, organizar um acervo pessoal. Em seguida para manter contato com uma amiga que foi apresentada a ele num evento familiar. Vai se desenvolvendo e se tornando mais capaz de uma aproximação humana. Passa do uso compulsivo do objeto computador, ao uso transformacional, no processo terapêutico.
A sociedade atual exige mudanças cada vez mais rápidas e constantes para que haja uma adaptação cada vez maior.
A chamada modernidade líquida cabe dizer como figura de linguagem metafórica, de como um líquido necessita de continente para ser recebido e tomar uma forma. Necessita ser contido amorosamente, pois os líquidos ficam sujeitos a transbordamentos, a perdas e evaporações. Assim que mais do que nunca, nós como profissionais da área “psi’ necessitamos dar importância ao “Setting”, que é o ambiente facilitador, no dizer de Winnicott, citado por André Green em (“1990- Conferências Brasileiras”) considerado como uma metáfora de cuidados maternos”. O setting não é só o espaço da sala de análise, mas o espaço interno do analista.
Giorgio Agamben, renomado filósofo italiano da atualidade, na obra Infância e História, tenta fazer uma relação entre infância, experiência e fantasia. A infância como potência criativa. (Infância e História. Ensaio sobre a destruição da experiência (1978) Giorgio Agamben. Aborda o prejuízo que se pode ter ao retirar a capacidade inventiva da imaginação, como estado de infância. O que Agamben tenta mostrar é como a infância, com sua condição de dependência, (Winnicott) é justamente a potência da imaginação e da experiência. Comenta que a infância vive como num jogo, articulada e esquecida. No limiar da presença/ausência entre tradição e gérmen. No primeiro busca ser perpetuada como memória; já o segundo é constituído como agente de inovação e de recomeço.
V Patologias de hoje. Diferenças entre Modernidade e Pós-Modernidade.
José Outeiral, que muito se dedicou ao estudo da adolescência e infância, costumava dizer que “desinventaram a infância”, no mundo atual. As crianças são instadas a se comportar como pequenos adultos, e não somente nas vestimentas. Aniversários de crianças com direito a salão de beleza, massagem e maquiagem; soutien para crianças de quatro anos; assistência a filmes e programação de adultos. Uma erotização precoce, indevida e inadequada.
A infância foi abreviada. Na década de 70, primeiro ocorria a puberdades (processos biológicos), depois a adolescência (fenômenos psicossociais). Na década de 80 adolescência e puberdade vinham juntas. Atualmente a adolescência acontece antes da puberdade, já aos 8 ou 10 anos de idade, com namoro e contestação. Existem diferenças dependendo do ambiente socioeconômico-cultural onde se desenvolve o adolescente. Acontece e termina mais cedo nas classes menos favorecidas e começa mais cedo e termina mais tarde nas mais favorecidas. Atualmente ocorre uma adolescência prolongada e uma “adultescencia”, (ideal de adolescência para sempre). Adultos que permanecem adolescentes, faltando padrões para os seus filhos adolescentes se identificarem. Muito comum na clínica, relatos de adultos que quando adolescentes vieram estudar na capital, deixando seus pais e buscando no novo ambiente e por vezes encontrando, na família acolhedora do namorado, e depois marido, novas e mais favoráveis modelos de identificação. Ou, outras vezes, diminuindo o contato com a família, passam a se sentir perdidos e então adoecem emocionalmente.
A família patriarcal passou a ser família nuclear. As pessoas habitavam geralmente próximas de parentes, tios, primos, avós. Muitos em zonas rurais, com muito espaço e proximidade de familiares. (década de 50 a 70). Na família atual, nuclear, há migração para os grandes centros, as moradias incluem pais e filho, ou filhos, distante de familiares de origem. As crianças passaram a chamar os professores e adultos amigos dos pais de tios possivelmente para resgatar o grupo familiar de origem. Os professores muitas vezes são convocados a exercer funções paternas e maternas. Na década de 80 surgem novas configurações familiares. Famílias reconstituídas, com filhos de casamentos anteriores e novo casamento. Com a lei do divórcio este fato é reconhecido. Nas salas de aula, anos 50, poucos filhos de pais separados. Hoje isso é o mais comum. Bebês, produção independente, por inseminação, ou fertilização assistida. O tempo com os filhos se torna menor, necessidade de creches, berçários, escolas maternais, compensando a ausência da figura materna e paterna.
Os quadros clínicos da atualidade não são mais as clássicas histerias da época de Freud. Encontramos quadros como transtornos narcísicos, síndrome borderline, tendências antissociais, fobias, crises de pânico. Abreviação da infância, onde a fragmentação e a velocidade configuram uma síndrome do zapping. (Dificuldade de concentração e passagem de um canal a outro de TV). Também transtornos vinculados ao déficit de atenção e hiperatividade. Em função desta rapidez na sociedade pós-moderna há o ataque aos processos de pensamento que geram vivências de caos e vazio. Há uma nulificação da história, exigência de viver o imediatismo do presente, o que traz um desafio para a clínica da atualidade. A clínica atual, como comenta Gley Costa em seu livro: A clínica das patologias contemporâneas é a do simbólico, (inclui as neuroses, psicoses e perversões) e a clínica do desvalimento, onde há a dificuldade de modular a angústia para atenuar o vazio, a frieza e o desamparo.
Como então pais e professores e adultos em geral “modernos”, podem se relacionar com jovens adolescentes e crianças “pós-modernos”? Em um país que não entrou ainda na pós-modernidade? O que para os pais era significativo em termos de educação e leitura, por ex. o Pedrinho do Sítio do Pica-Pau Amarelo de Monteiro Lobato, não interessa aos jovens de hoje ligados em ficção científica e efeitos especiais, whatsapp, stagram, snapchat, etc.. Os heróis da pós-modernidade são maníacos, predadores, narcísicos.
Para lidar com esses paradigmas, devemos levar em conta, como refere Outeiral e Cerezer em “Mal-Estar na Escola, Adolescencia – Modernidade e Pós-modernidade:
Alguns paradigmas da pós-modernidade:
1 O tempo rápido ou a geração fast. Fast-kids. O mundo delivery. Antes, na modernidade: Impulso-pensamento-ação. Agora, na pós-modernidade: impulso-ação. (mundo da velocidade). O prazer em comprar brinquedos, não em brincar. Ex: meu filho tem dezenas de caixas de legos. Algumas nem abriu. Cada vez no shopping quer comprar outra. Grande consumo.
2 Cultura do descartável ou permanente versus efêmero. O moderno, permanente, o pós-moderno, efêmero. Na pós-modernidade encontramos a deshistorização a des-subjetivação. Relações descartáveis.
3 A banalização. A ação da mídia contribuindo para a banalização.
4 A ordem narrativa. Na modernidade a escrita tem inicio meio e fim, em sequencia. Na pós-modernidade: idas e vindas, fragmentação, flash-forwards e flash-backs. Metáforas.
5 Uma nova erótica, o “ficar” na adolescência. O objeto do desejo já se oferece e rapidamente sem precisar ir buscá-lo.
6 A estética da pós-modernidade. Há uma história a ser considerada, na modernidade. Na pós modernidade a estética é do vídeo-clipe: curto, desfocado, sem início-meio-fim, fragmentado. Faz parte os transtornos alimentares, anorexia, bulimia, obesidade., junto com o pânico e a fobia. É a estética pós-moderna do corpo. Corpo-objeto.
7 Ética. Consideração pela existência do outro. Poder usar o pensamento. Para isso são necessários adultos modelos. Adultos que sejam respeitados. Res= novamente Pectum= espelho. Tragam uma especularidade. Possibilitem o uso do pensamento.
8 Os espaços da modernidade e o espaço virtual da pós-modernidade. Na modernidade há o espaço interno (das emoções, desejos, da alma e do mundo dos sonhos, espaço psíquico) e o espaço externo (dos acontecimentos reais). Na Pós-modernidade, ainda um terceiro espaço o ciberespaço, o virtual, (não presença). Precisamos contar com estes aspectos no trabalho em consultório. (Revista BP deste mês: Título: O homem do futuro, hoje) No ciberespaço o indivíduo controla a realidade. Cyber, do grego, controlar, dirigir.
9 O predomínio do externo, da forma e da parte sobre o interno, o conteúdo e o todo.
A modernidade privilegia o conteúdo, sobre a forma. Valoriza o interno. A pós-modernidade valoriza a aparência, a superfície e a fragmentação. Daí o predomínio das cirurgias plásticas e transtornos alimentares.
10 O mito do herói. O herói da modernidade era o Don Quixote de La Mancha, dedicado a uma causa justa, solidária e coletiva. O herói pós-moderno é egoísta, não se sacrifica e desfruta somente as benesses. É um herói maníaco, predador e narcísico.
11 O conhecimento da horizontalidade versus o conhecimento vertical.
12 O falso versus o verdadeiro.
13 A importância da história para a modernidade, e o fim da história na pós-modernidade.
14 A modernidade e suas utopias e o fim das utopias na pós-modernidade.
15 No lugar do simbólico um mundo de imagens na pós-modernidade. A importância da passagem do imaginário para o simbólico. Sendo o pai o sustentador do simbólico, há na sociedade atual um declínio da função paterna, e manutenção da imagem, condição narcísica. (estágio do espelho-Lacan).
16 Globalização.
17 O fim das certezas.
18 O adolescente e a ocupação dos espaços. Os espaços como importantes na constituição da identidade que depende de mudanças espaciais, temporais e sociais. Como o adolescente se comporta em relação ao seu quarto, sua mochila. A necessidade de migrar de um lugar a outro, neste processo de constituição da própria identidade.
Conclusão:
Para enfrentar esses desafios é necessário olhar a criança com um novo olhar e educar para brincar e pensar. Ensinar significa colocar signos para dentro e educar, (promover ductos), dar condições para que a criança se desenvolva no seu ritmo e potencial. O brincar está esquecido e precisa ser estimulado dada a importância que tem no desenvolvimento da espontaneidade e criatividade.
O ataque ao pensamento e a desvalorização da historicidade são elementos que trazem perda de valores na pós-modernidade. Assim que a historização e a subjetivação são elementos de valor para podermos transmitir e levar ao homem do novo século.
O processo de subjetivação é o processo através do qual o sujeito vai adquirindo sua individualidade, saber quem ele é, quais são os seus valores, saber dizer não aos outros quando o outro lhe propõe não for conveniente. Ele poderá frustrar o outro, porque sabe se frustrar. Sabe se voltar para seu interior, aprende a usar seu pensamento e a entrar em contato com a realidade.
Em psicanálise a condição de saúde psíquica passa a ser a condição de se relacionar com a sua própria subjetividade, sua relação consigo mesmo e com o fora de si.
[1] Trabalho a ser apresentado no dia 11 de junho de 2015 no GPC. Conversa com um Psicanalista.
[1] Psicanalista Membro Fundador do GPC, Membro Associado da SBPRJ, da FEBRAPSI e da IPA.
Referências:
Agamben, G. (1978) Infância e História. Ensaio sobre a destruição da experiência.
LehmanY.P. (2012) Adolescencia ycontemporaneidad: el juego Trabalho apresentado no XXI Encuentro Latino-Americano sobre el Pensamiento de Donald W. Winnicott.
Linhares, A. Ser Contemporâneo: Medo e Paixão. Trabalho apresentado em Congresso da Febrapsi, Campo Grande, 2013.
Outeiral, J. e Cerezer, C. (2005) O mal-Estar na Escola. Revinter, Rio de Janeiro
Revista Brasileira de Psicanálise vol.49, n.1 2015. O homem do futuro, hoje FEBRAPSI.
Roudinesco, E. (2002) A família em desordem. Ed. Jorge Zahar, Rio de Janeiro.
Trieb, (2013) Revista da Sociendade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro- Paternidade, novas narrativas. VolumeXII, Nº1e 2 junho/dezembro 2013.
Video- Solo es el principio, de Jean-Pierre Pozzie. Pierre Barougier You Tube.
Wallbach, E. (2013) A Criança do Século XXI, Ed. Juruá, Curitiba
Galeano, E. ( 2005) O livro dos abraços Pallotti Editora, Santa Maria, RGS
Vera Marieta Fischer
e-mail: fischer.veramarieta@gmail.com